Notícia Publicada em 29/03/2016
Sobreviver sem estar no governo é uma experiência inédita para o PMDB, que pode tropeçar nas próprias pernas ao andar sozinho
SÃO PAULO
– Alguém já disse que é necessário tomar cuidado com nossos desejos porque eles
podem se realizar. Ao abandonar o governo Dilma Rousseff, o PMDB e o vice-presidente
Michel Temer fazem a aposta mais arriscada de sua história: assumir o poder sem
intermediários, ao apoiar o Impeachment da
presidente, e enfrentar seus próprios fantasmas, como as fortes disputas
internas, o histórico de fisiologismo e o ônus das medidas impopulares
necessárias à retomada da economia.
“Um eventual
governo Temer não tem garantia de coesão”, explica Roberto Romano, professor de
Ética da Unicamp. Um aperitivo do que estaria por vir foi a própria reunião do
diretório nacional do PMDB, que formalizou o rompimento com o governo Dilma. A
decisão demorou apenas três minutos para ser aprovada pelos mais de 100
delegados da legenda presentes ao evento – para ser preciso: três minutos e
muitos meses.
Isto
porque a posição precisou ser negociada por muitos caciques do partido desde
meados do ano passado. Era para ser aprovada na sua convenção nacional, em
novembro. As divergências empurraram a própria convenção para o início de
março. E, no melhor estilo peemedebista, a convenção jogou a decisão para a
reunião do diretório nacional. “Cada decisão que o PMDB toma é um parto, porque
o partido não tem unidade; é uma confederação de interesses regionais”, diz
Romano.
Os rachas
internos devem ser potencializados se o PMDB assumir o comando do país em um
momento de aguda crise econômica, como o atual. Na verdade, as fissuras já
começaram a aparecer. A primeira é a esperada desfiliação de Kátia Abreu, ministra da agricultura, que deve ficar com Dilma e voltar para o PSD, o partido
criado pelo ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que se declarou incolor
– nem de direita, nem de esquerda. “O PMDB não vai sair ileso disso tudo”,
afirma o cientista político Paulo Silvino, professor da Fespsp (Fundação Escola
de Sociologia e Política de São Paulo).
Quem
encara?
Outro
problemão, a partir de agora, é a montagem de um eventual governo Temer. Com o
impeachment já encobrindo o nariz de Dilma, o vice-presidente pode assumir o
poder até abril, segundo as contas de seus aliados. Os porta-vozes de Temer vêm
insistindo que ele fará um governo de reconciliação nacional, montando um
ministério de notáveis. O fato, porém, é que nada disso é garantido.
A
reconciliação enfrentará a ira do PT, que, uma vez apeado do poder, voltará a
vestir o figurino de oposição raivosa e intransigente. Representantes de
movimentos sociais e sindicais ligados à legenda já prometem, publicamente,
infernizar a vida do futuro governo – qualquer que seja.
O segundo
desafio é convencer o PSDB a apoiá-lo. “Dificilmente, o discurso de
reconciliação vai colar”, afirma Silvino, da Fespsp. Para Romano, da Unicamp, o
mais provável é que os tucanos “façam corpo mole” em relação a Temer, apoiando
medidas pontuais, mas sem fechar completamente com o novo governo, repetindo a
estratégia adotada durante o governo Itamar Franco (1992-1995). O motivo é
candidamente simples: o PSDB quer chegar ao Palácio do Planalto em 2018. Por
que, mesmo, os tucanos apoiariam de coração uma legenda que também quer ter
candidato próprio a presidente no mesmo pleito?
Outra
coisa: o PMDB terá coragem de adotar, realmente, medidas impopulares para
reconstruir a economia, num momento de recessão, aumento do desemprego,
protestos populares e às vésperas das eleições municipais? Mesmo que tenha
peito para isso, Temer demorará a ver os resultados práticos dessas políticas,
no melhor estilo “vai piorar, antes de melhorar”. A dúvida é se as medidas
surtirão efeitos tão positivos, em dois ou três anos, a ponto de apagar o
sofrimento que causarão antes.
Fantasma
Por
último: os correligionários de Temer estão tão enrolados na Lava Jato quanto os
petistas com quem romperam hoje. “A Lava Jato ainda pode abater muitos
peemedebistas”, observa Silvino, da Fespsp.
Se a
ascensão do maior partido do país ao poder não é garantia de tempos mais
arejados, o que nos espera? Para Romano, da Unicamp, não há nada animador no
horizonte: “Temer pode ser uma repetição do governo Sarney”, diz, referindo-se
à primeira vez que um peemedebista ocupou o Palácio do Planalto, entre 1985 e
1990.
É verdade
que Sarney se filiou ao PMDB nos estertores da ditadura, após romper com a
Arena e aderir à candidatura indireta de Tancredo Neves à presidência. Mesmo
que não fosse um peemedebista de raiz, os problemas que enfrentou não mudaram
nada até aqui: “toda essa divisão do partido levou o governo Sarney a ser um
fracasso total”, lembra Romano. Ao querer andar sozinho, o PMDB corre o risco
de tropeçar nas próprias pernas.