"A
mulher, talvez, até nem precisasse de um dia especial".
Transformações, fortalecimentos e lutas
marcam a vida das mulheres há muitos séculos. Para a filósofa Cecília Pires,
essa é uma data que nem precisaria existir se as pessoas voltassem a si mesmos
e recompusessem um processo de integração com a sua humanidade. “Vamos pensar
sobre a Lei Maria da Penha, criada exatamente como um protesto jurídico
político sobre a violação de uma mulher.
Seria muito melhor que não precisássemos dessa lei, já que a justiça não deveria ter um sexo e cor. A partir da sua própria história como filósofa num campo onde o homem tem maior presença e destacando exemplos de mulheres que contribuem para o fortalecimento da cultura da mulher. “A mulher hoje é um sujeito que chegou a um lugar social histórico de reconhecimento. Ainda há, contudo, muitas coisas a serem resolvidas”, analisa.
Seria muito melhor que não precisássemos dessa lei, já que a justiça não deveria ter um sexo e cor. A partir da sua própria história como filósofa num campo onde o homem tem maior presença e destacando exemplos de mulheres que contribuem para o fortalecimento da cultura da mulher. “A mulher hoje é um sujeito que chegou a um lugar social histórico de reconhecimento. Ainda há, contudo, muitas coisas a serem resolvidas”, analisa.
Confira trechos da entrevista concedida
ao site IHU reproduzida no Conexão.
Conexão/IHU -Quem é a mulher hoje?
Cecília Pires – Essa é uma pergunta que exige algumas
identificações. A mulher hoje se traduz por ser um sujeito de forte consciência
de si mesmo, de sua identidade e seus direitos e perspectivas de vida, trabalho
e realização. Penso que toda essa questão da comemoração do 8 de março (que tem
a ver com a chacina que foi feita com as tecelãs de uma fábrica de Nova Iorque)
mostrou uma evolução grande do papel da mulher no mundo, em todos os aspectos,
desde a família, trabalho, lazer, vida política e religião. Penso que a mulher
hoje é um sujeito que chegou a um lugar social histórico de reconhecimento.
Ainda há, contudo, muitas coisas a serem resolvidas.
Conexão/IHU Quais são suas maiores
conquistas e seus maiores desafios?
Cecília Pires – O desafio da mulher hoje é uma
compreensão do equilíbrio e da paz no mundo. Não que a mulher tenha que ser um
eixo desse equilíbrio e paz, e falo isso do ponto de vista da minha
subjetividade. É triste vermos nas manchetes dos jornais dois casos cruéis no
Brasil, um no Nordeste, outro aqui no Sul, de meninas grávidas, violadas por
padrastos e, quem sabe, com a cumplicidade da própria mãe. É muito triste que
em pleno século XXI esses fatos acontecem em nosso país.
Sobre as conquistas das mulheres, se
pensarmos em relação ao modo de produção capitalista que seguimos, todos tem
que ter trabalho. Em décadas passadas, sobretudo até 1980, havia muita
diferença entre salários femininos e masculinos. Havia empresas, como nossa
Petrobras, que buscava poucas engenheiras, e mais engenheiros.
Conexão/IHU-Como percebe o poder e o
pensamento feminino no mundo contemporâneo?
Cecília Pires – Esse poder e pensamento estão bastantes
presentes no mundo de hoje. Há situações hoje, em que lideranças femininas
cresceram de uma forma mais sólida, mas vinculada a representações como as
mulheres do movimento negro, do Movimento Sem Terra, nas lutas sindicais, nas
representações parlamentares, nas situações de governabilidade e representando
vários segmentos sociais. Vejo que sempre parece uma espécie de destaque e esse
destaque me parece pejorativo em relação à forma como a mulher se trata e se
apresenta. Por exemplo, a mídia, em suas manchetes, fez várias observações um
pouco irônicas, mordazes, sobre as cirurgias que a ministra Dilma Roussef
teria feito. Isso é absolutamente secundário na vida política do país. Se
fôssemos pensar em inúmeros deputados, senadores e presidentes da República,
inclusive, que fizeram essas cirurgias faciais, perceberemos que as manchetes
dos jornais não tiveram o mesmo encaminhamento, fazendo esse tipo de declaração
mordaz.
Conexão/IHU E por que a senhora acha que
a mídia faz isso?
Cecília Pires – A mídia é muito estimulada por um
espírito mesquinho, de um certo primitivismo de pensamento, pragmático, pobre.
Ao invés de mostrar o que as pessoas como sujeitos sociais e políticos estão
fazendo, ou não fazendo, tecendo críticas a partir de situações consolidadas,
efetivadas, comprovadas, falam de detalhes sobre o corte de cabelo, o botox do
rosto, o tipo de saia. A mídia quer alimentar um certo tipo de público que
gosta disso.
Conexão/IHU Quais são os maiores
preconceitos que persistem em torno das mulheres?
Cecília Pires – Um dos preconceitos que persistem é, de
um modo geral, acerca da inteligência da mulher e da sua emocionalidade. Por
mais que as mulheres se esforcem e lutem, escrevam, pesquisem, investiguem,
isso é colocado com certo destaque, com uma espécie de espanto, e não como uma
compreensão normal de que é própria do ser humano a inteligência. E a questão
da sensibilidade também persiste. Permanece aquela estrutura cartesiana de uma
divisão entre razão e sensibilidade, em que o homem é todo razão e a mulher é
toda sensibilidade. Isso não é verdadeiro. O homem também sofre, sente, chora.
Essas não são prerrogativas femininas.
Conexão/IHU– A filosofia é machista? Por
que tão poucas mulheres são reconhecidas e respeitadas por seu pensamento,
enquanto filósofas?
Cecília Pires – Essa é uma pergunta recorrente. Costumo
dizer que na história da filosofia são poucas as mulheres que se apresentam e
são reconhecidas como pensadoras. Se recorrermos à história da filosofia
antiga, isso é quase nulo. Menciona-se a mulher de Sócrates, apenas. O que
percebo é que o mundo do pensamento ficou muito associado ao mundo masculino,
ao mundo do poder. Vimos toda a história da humanidade como se processou, a
história da dominação masculina sobre o mundo feminino e é claro que isso se
refletiu na história da igreja e da humanidade. Contemporaneamente, não se pode
dizer que existe propriamente uma discriminação das mulheres na filosofia. As
mulheres estão presentes na filosofia como professoras, escritoras,
investigadoras. Mulheres filósofas
São poucas as mulheres filósofas que o público conhece: Hannah Arendt [3], Edith Stein [4], Simone Weil [5], por conta inclusive pela forma com que algumas conseguiram chegar ao mundo público e ter suas obras recebidas, acolhidas e debatidas.
São poucas as mulheres filósofas que o público conhece: Hannah Arendt [3], Edith Stein [4], Simone Weil [5], por conta inclusive pela forma com que algumas conseguiram chegar ao mundo público e ter suas obras recebidas, acolhidas e debatidas.
Conexão/IHU– Mulheres como Dorothy Stang
[12]e Simone de Beauvoir contribuíram, cada uma do seu modo, para quebrar
estereótipos e lutaram por suas causas. Como seu legado nos ajuda a compreender
melhor o papel das mulheres na sociedade?
Cecília Pires – Dorothy e Simone tiveram um papel
exponencial na afirmação dum feminino como projeto efetivo de liberdade. Quando
Simone diz que não se nasce mulher, mas torna-se mulher, ela vai mostrar isso
com a afirmação cultural do feminino. Penso que as coisas que se apresentam
nesses casos são o grande enfrentamento e autonomia que elas tiveram diante de
preconceitos. Várias idéias de Simone fez são atribuídas a Sartre, o que de
certa forma é uma injustiça, pois se aprofundarmos e investigarmos sua vida.
Já a irmã Dorothy teve todo um compromisso efetivo com a questão social, dos oprimidos e vitimados. Há várias mulheres que também foram líderes, desde Madre Teresa de Calcutá [14] até líderes indígenas da América Latina. Essas pessoas mostram que, quando tomada por uma idéia, a mulher tem uma coerência quase que absoluta.
Já a irmã Dorothy teve todo um compromisso efetivo com a questão social, dos oprimidos e vitimados. Há várias mulheres que também foram líderes, desde Madre Teresa de Calcutá [14] até líderes indígenas da América Latina. Essas pessoas mostram que, quando tomada por uma idéia, a mulher tem uma coerência quase que absoluta.
Graduada em Filosofia, Pires é
especialista em Orientação Educacional e mestre em Filosofia, pela Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM).